Olá!!
Li uma reportagem mto interessante da revista "Bons Fluidos" desse mês. Serve para nos fazer pensar na maneira como lidamos com as tensões básicas do nosso dia-a-dia.
Um abraço,
Jú M.
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Sem flexibilidade, a máquina física enferruja enquanto a mente se converte numa fábrica de ideias engessadas. Fuja desse desgaste desnecessário e aprenda a se ajustar às demandas do momento. Como? Ora, soltando o corpo e, por tabela, as emoções.
Texto • Raphaela de Campos Mello
Estica, puxa, recua. A musculatura reage, ora espichando, ora repousando. Na mesma levada, a mente aprende a se moldar às circunstâncias. Tolerante quando pedras atravancam o caminho, ousada quando a pista está livre. Em tempos de mudanças aceleradas e múltiplas tarefas, a flexibilidade deixa de ser diferencial para se tornar premissa básica da vida contemporânea. A ordem é soltar a cintura e requebrar sempre que as situações solicitarem traquejo.
“Pessoas rígidas vivem presas a um modo único de pensar e de se comportar, não importa se estão na praia, no trabalho ou em família”, diz a psicoterapeuta Ana Lúcia Faria, especializada em psicoterapia reichiana e análise bioenergética, de São Paulo. Convenhamos, o desgaste é muito maior quando empacamos diante dos acontecimentos, por pura incapacidade de adotar outras cartilhas. Em contrapartida, ao sermos maleáveis, poupamos energia e, com o saldo positivo, podemos investir numa potência chamada criatividade. “Indivíduos flexíveis não chegam a construir verdades absolutas. Permanecem abertos e conectados aos movimentos da vida, adquirindo novas ferramentas e formas de expressão”, afirma Ana Lúcia.
Segundo tradições orientais como a ioga e a massoterapia, a maneira como tratamos nosso corpo se reflete, ainda que por vezes de forma sutil, em nossa visão de mundo e, consequentemente, em nosso comportamento. Afinal, mente, corpo e espírito estão interligados. Sob essa perspectiva, um canal, quando lapidado, afeta o outro, e assim por diante. “Essa integração resulta em mais força de vontade, mais flexibilidade nas relações, mais resistência a frustrações e agilidade mental para responder assertivamente às necessidades da vida moderna”, diz Eduardo Legal, educador físico, professor de ioga e docente do curso de naturologia da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo.
Para ilustrar a simbiose entre corpo e mente, o massoterapeuta e professor de ioga carioca Marcelo Passos cita a postura do guerreiro. Para quem não sabe, essa ássana é executada com alongamento da perna traseira, flexão da dianteira e união dos dois braços sobre a cabeça. Resultado: o praticante expande o peito e busca internamente força para se abrir ao inesperado. Sob tal ponto de vista, a prática milenar não se resume a um conjunto de exercícios. É, sim, uma escola que reeduca os praticantes para o cotidiano e para o autoconhecimento e ainda dá ênfase ao alongamento dos membros, estimula o equilíbrio e a força muscular. “Por meio da ioga, iluminamos nossa consciência, que nos leva ao encontro da harmonia e da felicidade plena”, afirma Legal. Também faz parte da prática a meditação, poderosa para estimular o pensamento a se libertar de suas amarras – crenças, julgamentos e preconceitos –, tornando-se mais flexível.
No entanto, ressalta Legal, nem todos os adeptos sentem a mesma transformação. Há os que se tornam flexíveis no âmbito físico e no emocional e os que desabrocham em apenas um desses aspectos. “Há pessoas que não percebem mudanças significativas em seu corpo, mas se tornam mais seguras e dispostas a aceitar novas possibilidades de vivenciar suas experiências, e vice-versa”, diz. No fundo, vale mais a intenção atrelada à prática do que o desempenho em si.
Leveza do ser
Um outro aliado eficiente nessa busca de comportamentos menos rígidos é a massagem. Além de amolecer os músculos, determinadas técnicas vão fundo, dissolvendo bloqueios energéticos. “Todas as correntes da massoterapia oriental visam desobstruir os canais que distribuem energia vital para as diferentes partes do organismo”, afirma Passos. Imagine que nossa estrutura é um mapa de pontos que influenciam o funcionamento de órgãos e glândulas. Uma vez destravados os “nós” desse esquema, o indivíduo tende a recuperar o equilíbrio e a saúde. “Depois de uma sessão de massagem, a pessoa sai com a expressão leve e o organismo mais aberto.” Com o tempo, assegura o especialista, o cliente se prepara para receber o que o mundo pode ofertar e também se fortalece para enfrentar possíveis dificuldades.
Segundo o especialista, a ioga e a massagem falam a mesma língua. Por isso, podem ser combinadas à vontade. “As duas modalidades soltam o corpo e, ao mesmo tempo, estimulam a busca pela liberdade interior, pela compreensão de quem somos em relação a uma dimensão superior”, diz. A diferença fundamental é que, enquanto a massagem se presta muitas vezes a atenuar queixas emergenciais, como dores musculares pontuais, a ioga consiste num trabalho de longo prazo. “Com o tempo e a interferência dos exercícios respiratórios, o aluno toma consciência de si e de suas emoções”, afirma.
Expandir sem agredir
Exercícios de alongamento também são uma ótima pedida para destravar os movimentos. “Por meio deles, podemos melhorar muito a amplitude articular de determinados gestos, o que previne lesões musculares”, afirma Legal. “Além de expandir o alcance de ações cotidianas, como agachar ou pegar um objeto acima da cabeça, o alongamento também é fundamental para aumentar o fluxo sanguíneo, conferindo leveza ao corpo em repouso ou em deslocamento”, diz o professor Abdallah Achour Junior, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, e autor de Flexibilidade e Alongamento (ed. Manole).
Vale lembrar que o objetivo dessa atividade não é transformar os praticantes em contorcionistas – indivíduos geneticamente programados para se confundirem com elásticos ambulantes. Tampouco é aconselhado perseguir a elasticidade ostentada por bailarinas ou ginastas. Litros de suor e lágrimas patrocinaram essa condição física excepcional. Não se iluda. Tome, sim, muito cuidado para não extrapolar seus limites. Não busque resultados imediatos nem estique a musculatura no tranco, recomendam os especialistas. “É preciso colocar a mente em sintonia com o corpo, prestando atenção na respiração e na quantidade de desconforto percebido. Uma música agradável pode propiciar maior consciência corporal”, diz Abdallah. “Escute sua estrutura primeiro; depois, o professor”, diz Legal. Outra dica é observar como você se sente no dia seguinte. Caso não consiga subir escadas de tanta dor muscular, mau sinal. E o professor aconselha: “Se alguma região ficou dolorida não significa que o treino tenha sido bom. Você pode estar exigindo demais de si. Vá mais devagar”.
A musculatura precisa de tempo para se afrouxar. “Em geral, o aluno começa a sentir os efeitos da prática após três meses”, afirma Legal, que ainda defende o diálogo constante entre aluno e professor. “Profissionais qualificados sabem manejar o corpo alheio, ajudando o aluno a atingir seus objetivos sem exageros. Mas é importante que as duas partes conversem e sejam companheiras nesse processo”, diz. Só não permita que o alongamento se reduza à repetição burocrática de movimentos. Quando estiver concentrada no trabalho muscular, não perca a chance de auscultar as sensações desencadeadas pelo processo. “O praticante precisa estar em conexão com seus sentimentos e emoções e propenso a questionar gradativamente a totalidade de suas ideias e crenças”, dizem as terapeutas corporais Jalieh Juliet Milani e Alessandra Shepard, na introdução do livro Exercitando o Corpo e a Alma – Movimentos com Energia e Consciência (ed. Pensamento). “Ao despertarmos, a consciência se expande, e, com isso, também nosso poder individual para influenciar e contribuir para a nossa vida e a dos outros”, afirmam.
Arquivo corporal
Nem sempre a rigidez física é escancarada, é bom lembrar. E, por isso mesmo, precisamos encontrar acessos mais sutis para alcançá-la. Tocamos nossa vida normalmente sem perceber uma série de alertas, como peito afundado, ombros levantados, braços rentes ao tronco, garganta retesada. Segundo a psicoterapeuta Ana Lúcia Faria, que integra a dimensão física ao tratamento psicológico, tanto a postura como a expressão de um indivíduo denunciam, de forma sutil, emoções, dores e crenças cristalizados em pontos diversos da anatomia. Logo, essa vertente é indicada para quem busca um trabalho terapêutico mais profundo e sensível.
“Segundo o psiquiatra Wilhelm Reich, toda tensão física tem uma história”, afirma a especialista. Ela esclarece: quando a criança “engole” o choro, comprimindo a garganta, entende que será reconhecida naquela família por sua força e coragem. Nesse sentido, o enrijecimento estrutural, chamado de couraça, surge simultaneamente à tentativa do indivíduo de se ajustar aos valores do meio em que vive ou para se defender dele, se for o caso.
O somatório de contenções inconscientes espalhadas pelo corpo resulta numa armadura que nos impede de viver com fluidez. Não temos como evitar a formação dessa blindagem. Crescer implica expor-se a pressões e cobranças. No entanto, podemos, com o auxílio de um psicoterapeuta, dissolver aos poucos os bloqueios que nos engessam física e emocionalmente. “Trabalho no sentido de desmanchar esse endurecimento, fazendo com que o paciente descubra por que está com a respiração presa ou com os ombros erguidos, por exemplo”, diz Ana Lúcia.
Depois de identificar o sentimento gerador de determinada constrição e de vivenciar um gestual mais solto, a pessoa consegue ampliar seus movimentos e, por tabela, sua maneira de se inserir no mundo. “Cria-se, assim, uma nova maneira de existir. A vida passa a ter mais espaço, mais pulsação e flexibilidade”, afirma ela. Tudo o que mais queremos. Transitar por aí leves como plumas, maleáveis como a palmeira à beira-mar.
http://bonsfluidos.abril.com.br/edicoes/0143/especiais/total-flex-618464.shtml
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