Um projeto desenvolvido no Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP) se propõe a tratar pacientes que sofrem de transtorno psicótico e bipolar integralmente, e isso significa que a cura não se dá apenas à base de remédios.
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“É comum vermos na publicidade uma associação entre tomar medicamentos e o fim de todos os problemas relacionados com uma determinada doença ou condição. Mas não é assim. Ninguém toma uma pílula e se livra de tudo: é preciso ver a totalidade do paciente e isso significa não somente enxergar a parte biológica, mas também a psicossocial, ou seja, as relações e os obstáculos sociais que foram causados por um transtorno mental, por exemplo”, alerta Rodrigo Leite, médico psiquiatra do IPq/USP e pesquisador ligado ao Programa de Apoio Psicoeducacional para Pacientes Psicóticos (Proapse).
O projeto, desenvolvido pela equipe de Renato Marchetti – e da qual Leite faz parte –, traz pacientes e cuidadores (na maioria das vezes pais e mães) para sessões em grupo onde compartilham seus problemas e ansiedades. O resultado? O fosso aberto pelo estigma e pelo preconceito se torna mais raso e facilita a reintegração desses indivíduos – que já se estabilizaram por meio de tratamento farmacológico – à vida social. “E, como se sabe, o contato social é importantíssimo para a recuperação completa”, afirma Rodrigo.
Esquizofrenia e transtorno bipolar
Os pacientes envolvidos no projeto são, na grande maioria dos casos, indivíduos que sofrem de esquizofrenia, transtorno bipolar do tipo 1 e os chamados transtornos de esquizofrenia afetiva, além de casos de psicose. “Apesar de ser um grupo aparentemente heterogêneo – mesmo com pacientes em diferentes níveis do desenvolvimento da doença e de idades entre 18 e 65 anos – os problemas enfrentados por eles são similares: são vistos como incapazes e isolados por conta do preconceito sofrido”, aponta Rodrigo.
O projeto foca também outro problema enfrentado por esses indivíduos: o estigma dentro de casa. “Os próprios cuidadores acabam enxergando esses indivíduos como portadores de uma incapacidade inerente. Todas as situações problemáticas são vistas como reflexo dos transtornos. Isso leva primeiro a um estresse crônico por parte dos cuidadores, pois eles acham que o indivíduo vai ‘descompensar’ a qualquer momento”, observa o especialista.
Paralelo a isso, os cuidadores podem tender a infantilizar esses pacientes, superprotegendo-os, ou seja, resolvendo todos os problemas por eles, não lhes dando autonomia em tarefas, mesmo as rotineiras. “E isso é péssimo para o indivíduo que tem um desses transtornos. Pequenas tarefas e responsabilidades são importantes para que eles se enxerguem capazes, podendo introjetar essa imagem de que eles são realmente instáveis, perigosos, pouco confiáveis. Isso, como podemos ver no projeto, não é real.”
Grupo é a chave para reinserção
Os encontros em grupo, acompanhados pelos profissionais do IPq, colhem ótimos resultados: o estigma e o preconceito dentro da família – o primeiro passo para que a sociedade também o enxergue como um indivíduo capaz – cedem espaço ao respeito e à aceitação.
“O próprio grupo troca informações e compartilha problemas, ajudando na melhora de todos os envolvidos. O sentimento de solidão, que é muito sensível nessas pessoas – tanto pacientes quanto cuidadores – diminui e é substituído por uma sensação reconfortante, de que eles não são párias que devem se isolar”, explica Rodrigo. “E os níveis de estresse dos cuidadores também diminuem”, completa.
Graças a uma parceria do Instituto com a rede de supermercados Carrefour, esses indivíduos também estão conseguindo vencer mais um limite: trabalhar novamente. “Muitos deles tinham se afastado dessa atividade e ficavam em casa isolados. Agora eles têm a possibilidade de ampliar seus horizontes, exercitar sua autonomia – até mesmo financeira – e tudo isso se reflete na recuperação da autoestima”, diz o pesquisador.
“Com o projeto, conseguimos ampliar o tratamento desses pacientes para níveis muito além da simples prescrição de fármacos e ajuste das doses de remédio. Ampliar essa noção de tratamento dos transtornos mentais e ajudar na ponte com a sociedade é importantíssimo para vencer o estigma”, finaliza Rodrigo Leite.
por Enio Rodrigo
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