sexta-feira, 4 de abril de 2014

Diana Corso - Casulo de Tristeza

Olá pessoal,

Li o artigo abaixo no site da revista que eu amo, Vida Simples e quis compartilhar com vocês.

Abraços,


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Casulo de Tristeza - Diana Corso - Revista Vida Simples
Edição 134
Publicado em 01.08.2013

Tristeza tem fim, sim, mas é inevitável e, uma vez que ela chega, deve ser tratada como hóspede importante. Não adianta fingir que ela não está no meio da sala com suas malas ao lado, pronta para passar uma temporada. Melhor acomodá-la, fazer um café e ver o que tem para contar.

Ela surge bem cedo na vida, só que não é dado às crianças ficar suspirando por aí. É na puberdade que ela aprende a se instalar. A partir daí, volta e meia dá medo de viver e é preciso procurar abrigo. Há outros jeitos de desconversar a desesperança, mas não se cresce sem essas visitas. Carece construir um bom casulo de tristeza: ele é como um escudo protetor, um lugar onde se recolher para temer, questionar e olhar o mundo de fora. Entramos nessa espécie de abrigo em diferentes fases da vida, passa a ser o habitat das nossas transformações. Pensando assim, a tristeza parece bem menos assustadora.

Quando perdemos um ser querido, certamente é hora de voltar para dentro. Cada gesto, cada ideia alardeiam ausência. Se conseguimos invocar uma presença hipotética daquele que partiu, supondo o que diria, do que gostaria, o que faria em tal ou qual situação, seu caráter imaginário de fantasma acaba se revelando, e a tristeza nos engole. O mesmo ocorre com outros tipos de perda: o desemprego, uma separação amorosa, o exílio... São longos períodos de dor, nos quais continuamos nos surpreendendo com a falta da pessoa, do lugar, da ocupação. O trabalho do luto, ou seja, da tristeza, consiste em acreditar, aos poucos e a contragosto, no insuportável e incompreensível. 

A tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim, como diz Caetano, e emenda: tudo demorando em ser tão ruim.

Recentemente, a nova edição do dsm, apelidado de "Bíblia da Psiquiatria", incluiu o luto na patologia da depressão. A depressão é diversa do casulo detristeza, de onde saímos superados e diferentes. Ela se parece mais com uma toca, da qual não se quer sair e sequer se sabe como foi que se acabou lá. O manual tenta estabelecer prazos, no caso duas semanas, para diferenciar um luto necessário daquele que seria depressivo. Entendo esse esforço de compreensão do sofrimento, mas, no que diz respeito à tristeza, as regras psiquiátricas parecem não falar sua língua. A música, sim, soube dizê-la: o samba é pai do prazer, o samba é o filho da dor, o grande poder transformador. Ao regulamentar a tristeza, ao suprimir seus aspectos positivos com remédios, ficaremos privados do casulo, da dor e de seu poder transformador.

Diana Corso é psicanalista, em Porto Alegre, RS. E escreve há dois anos para Vida Simples.

http://vidasimples.abril.com.br/

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